16 janeiro 2009

Manifesto de Gandhi sobre os judeus na Palestina


M. K. Gandhi

Harijan, 26 de novembro de 1938

In M.K.Gandhi, My Non-Violence
Editado por Sailesh K. Bandopadhaya
Navajivan Publishing House
Ahmedabad, 1960


Recebi muitas cartas solicitando a minha opinião sobre a questão judaico-palestina e sobre a perseguição aos judeus na Alemanha. Não é sem hesitação que ouso expor o meu ponto-de-vista.

 Na Alemanha as minhas simpatias estão todas com os judeus. Eu os conheci intimamente na África do Sul. Alguns deles se tornaram grandes amigos. Através destes amigos aprendi muito sobre as perseguições que sofreram. Eles têm sido os "intocáveis" do cristianismo; há um paralelo entre eles, e os "intocáveis" dos hindus. Sanções religiosas foram invocadas nos dois casos para justificar o tratamento dispensado a eles. Afora as amizades, há a mais universal razão para a minha simpatia pelos judeus. No entanto, a minha simpatia não me cega para a necessidade de Justiça.

O pedido por um lar nacional para os judeus não me convence.
Por quê eles não fazem, como qualquer outro dos povos do planeta, que vivem no país onde nasceram e fizeram dele o seu lar?

A Palestina pertence aos palestinos, da mesma forma que a Inglaterra pertence aos ingleses, ou a França aos franceses.

É errado e desumano impor os judeus aos árabes. O que está acontecendo na Palestina não é justificável por nenhuma moralidade ou código de ética. Os mandatos não têm valor. Certamente, seria um crime contra a humanidade reduzir o orgulho árabe para que a Palestina fosse entregue aos judeus parcialmente ou totalmente como o lar nacional judaico.

O caminho mais nobre seria insistir num tratamento justo para os judeus em qualquer parte do mundo em que eles nascessem ou vivessem. Os judeus nascidos na França são franceses, da mesma forma que os cristãos nascidos na França são franceses.

Se os judeus não têm um lar senão a Palestina, eles apreciariam a idéia de serem forçados a deixar as outras partes do mundo onde estão assentados? Ou eles querem um lar duplo onde possam ficar à vontade?

Este pedido por um lar nacional oferece várias justificativas para a expulsão dos judeus da Alemanha. Mas a perseguição dos alemães aos judeus parece não ter paralelo na História. Os antigos tiranos nunca foram tão loucos quanto Hitler parece ser.

E ele está fazendo isso com zelo religioso. Ele está propondo uma nova religião de exclusivo e militante nacionalismo em nome do qual, qualquer atrocidade se transforma em um ato de humanidade a ser recompensado aqui e no futuro. Os crimes de um homem desorientado e intrépido, estão sendo observados sob o olhar da sua raça, com uma ferocidade inacreditável.

Se houver sempre uma guerra justificável em nome da humanidade, a guerra contra a Alemanha para prevenir a perseguição desumana contra uma raça inteira seria totalmente justificável. Mas eu não acredito em guerra nenhuma. A discussão sobre a conveniência ou inconveniência de uma guerra está, portanto, fora do meu horizonte. Mas se não pode haver guerra contra a Alemanha, mesmo por crimes que estão sendo cometidos contra os judeus, certamente não pode haver aliança com a Alemanha. Como pode haver aliança entre duas nações que clamam por justiça e democracia e uma se declara inimiga da outra? Ou a Inglaterra está se inclinando para uma ditadura armada, e o que isso significa?
A Alemanha está mostrando ao mundo como a violência pode ser eficientemente trabalhada quando não é dissimulada por nenhuma hipocrisia ou fraqueza mascarada de humanitarismo; está mostrando como é hediondo, terrível e assustador quando isso aparece às claras, sem disfarces. Os judeus podem resistir a esta organizada e desavergonhada perseguição? Existe uma maneira de preservar a sua auto-estima e não se sentirem indefesos, abandonados e infelizes? Eu acredito que sim. Ninguém que tenha fé em Deus precisa se sentir indefeso, ou infeliz. O Jeová dos judeus é um Deus mais pessoal que o Deus dos cristãos, muçulmanos ou hindus, embora realmente, em sua essência, Ele seja comum a todos. Mas como os judeus atribuem personalidade a Deus e acreditam que Ele regula cada ação deles, estes não se sentiriam desamparados.

Se eu fosse judeu e tivesse nascido na Alemanha e merecido a minha subsistência lá, eu reivindicaria a Alemanha como o meu lar, do mesmo modo que um "genuíno" alemão o faria, e desafiaria qualquer um a me jogar na masmorra; eu me recusaria a ser expulso ou a sofrer discriminação. E fazendo isso, não deveria esperar por outros judeus me seguindo em uma resistência civil, mas teria confiança que no final estariam compelidos a seguir o meu exemplo.

E agora uma palavra aos judeus na Palestina:
Não tenho dúvidas de que os judeus estão indo pelo caminho errado. A Palestina, na concepção bíblica, não é um tratado geográfico. Ela está em seus corações. Mas se eles devem olhar a Palestina pela geografia como sua pátria mãe, está errado aceitá-la sob a sombra do belicismo britânico. Um ato religioso não pode acontecer com a ajuda da baioneta ou da bomba. Eles poderiam estabelecer- se na Palestina somente pela boa vontade dos palestinos. Eles deveriam procurar convencer o coração palestino. O mesmo Deus que rege o coração árabe, rege o coração judeu. Só assim eles teriam a opinião mundial favorável às suas aspirações religiosas. Há centenas de caminhos para uma solução com os árabes, se descartarem a ajuda da baioneta britânica.

Como está acontecendo, os judeus são responsáveis e cúmplices com outros países, em arruinar um povo que não fez nada de errado com eles.

Eu não estou defendendo as reações dos palestinos. Eu desejaria que tivessem escolhido o caminho da não-violência a resistir ao que eles, corretamente, consideraram como invasão de seu país por estrangeiros. Porém, de acordo com os cânones aceitos de certo e errado, nada pode ser dito contra a resistência árabe face aos esmagadores acontecimentos.

Deixemos os judeus, que clamam serem os Escolhidos por Deus, provar o seu título escolhendo o caminho da não-violência para reclamar a sua posição na Terra. Todos os países são o lar deles, incluindo a Palestina, não por agressão mas por culto ao amor.

Um amigo judeu me mandou um livro chamado A contribuição judaica para a civilização de Cecil Roth. O livro nos dá uma idéia do que os judeus fizeram para enriquecer a literatura, a arte, a música, o drama, a ciência, a medicina, a agricultura etc., no mundo. Determinada a vontade, os judeus podem se recusar a serem tratados como os párias do Ocidente, de serem desprezados ou tratados com condescendência.

Eles podiam chamar a atenção e o respeito do mundo por serem a criação escolhida de Deus, em vez de se afundarem naquela brutalidade sem limites. Eles podiam somar às suas várias contribuições, a contribuição da ação da não-violência.


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2 comentários

Anônimo disse...

(1) A estatura ética e política de Gandhi é absolutamente incontestável, e os grandes homens do século XX até hoje, o tiveram sempre como exemplo a seguir e imitar.

A sua lucidez e a sua coragem ao denunciar a injustiça e a insolência do povo inglês sobre a Índia e sobre o povo indiano, são as mesmas que demonstra neste manifesto de repúdio à violência dos nazistas na Alemanha, e à injustiça e brutalidade da invasão dos judeus na Palestina.

Portanto, é bastante significativo que este documento sobre o horror e a injustiça impostos aos palestinos, nunca tenha sido divulgado ou comentado por nossos atentos analistas políticos, nem tampouco seja citado por eruditos ou catedráticos das nossas universidades.

A única exceção, em português, devemos à Drª. Kátia Mendonça, da Universidade Federal do Pará que em seu trabalho, Ética e política no pensamento de Buber e Gandhi, sem citar a fonte de onde retirou o texto, aborda este Manifesto há tanto tempo ocultado. Mas, não obstante estar a usar o nome e a autoridade moral de Gandhi, logo se percebe que a oblíqua intenção da autora é abrir um leque de rasgados elogios ao sionista Buber e invocar uma plêiade de intelectuais judeus para desviar a atenção do texto, e assim tentar justificar, de algum modo, a perversidade sionista e a criminosa invasão e ocupação da Palestina.

Além desse desvio da cátedra universitária para fins de proselitismo judaico-sionista, e da impertinente comparação entre Buber e aquele homem evidentemente superior, o Mahatma Gandhi, decorre que temos sido enganados, durante décadas, por todos esses — historiadores, sociólogos, jornalistas — que por obrigação profissional e moral, deviam informar e esclarecer os cidadãos. Lamentavelmente não foi assim que essas pessoas agiram; ao contrário: sistematicamente esconderam e escamotearam as denúncias e advertências que expusessem ao mundo, a crueldade, a ganância e a violência dos judeus na Palestina.

O expressivo exemplo da deselegância desses acadêmicos, continua em outros trabalhos divulgados pela imprensa, e em diversas páginas da web, como se fossem pesquisas sérias e imparciais; encontra-se à venda nas livrarias, obras assinados por professores doutores de universidades famosas, que no decorrer de leitura mais cuidadosa vão mostrando sorrateiramente, o mesmo viés e a mesma ladina intenção que a professora paraense não soube disfarçar tão bem.

Em várias dessas "obras de fôlego" sobre a questão palestina, é demasiado evidente — e esclarecedor — que entre as inúmeras citações de textos de autores judeus, não se encontre nenhuma que aponte para trabalhos de professores de universidades palestinas, obviamente os que mais de perto conhecem o processo da invasão e ocupação da Palestina.

Enfim, é um campo maliciosamente minado, por onde devemos andar com atenção, pois, ao contrário da límpida objetividade do texto de Gandhi, os trabalhos desses acadêmicos, desviam-se propositalmente do foco da questão para enfatizarem aspectos secundários ou pormenores irrelevantes e, desse modo, darem ao leitor a falsa impressão de que está sendo corretamente informado.

Por isso, é ainda mais espantoso, o "esquecimento" e a tentativa de apagamento da fundamentada e isenta denúncia de Gandhi sobre a injustiça e a brutalidade da ocupação da Palestina:

"O que está acontecendo na Palestina, não é justificável por nenhuma moralidade ou código de ética. Certamente, seria um crime contra a humanidade reduzir o orgulho árabe para que a Palestina fosse entregue aos judeus parcialmente ou totalmente como o lar nacional judaico."



(2) "........ Por quê eles não fazem, como qualquer outro dos povos do planeta, que vivem no país onde nasceram e fizeram dele o seu lar? ........"

A oportuna sugestão de Gandhi ao indagar o porquê dos judeus não fazerem como os outros povos, decorre do fato histórico de estarem sempre envolvidos em fugas precipitadas ou invasões de terras prometidas e depois, também por ele conhecer a violência daqueles bandos de terroristas judeus como o Irgun, o Stern, o Haganah.

Já desde remota antiguidade, depois que Ramsés II, por algum grave motivo (que o bíblico narrador preferiu esquecer, ou contar de outra maneira) os expulsou do Egito, e depois que Iavé lhes prometeu as terras de Canaã (como se pode prometer bens e terras que pertencem a outros?) e Josué, com a celestial trombeta, demoliu as muralhas de Jericó e trucidou os seus habitantes, a história do "povo escolhido" tem sido esse interminável rol de intrigas e perfídias, traçando a obscura trajetória judia, até à invasão da atual Palestina, desta vez através de chantagens e subornos, tanques de sessenta e cinco toneladas e bombardeiros F-16.

"Se a desconfiança e a hostilidade contra os judeus tivesse surgido somente num único país e só numa determinada época, seria fácil identificar as razões dessa aversão. Mas, ao contrário, essa raça é, desde há muito tempo, antipatizada pelos habitantes de todas as terras e nações no seio das quais se estabeleceu. Como os inimigos dos judeus existiram entre os mais diversos povos, os quais habitavam regiões distantes entre si e eram regidos por leis determinadas até por princípios opostos, e se não tinham os mesmos costumes e eram distintos no espírito de suas culturas, então as causas do anti-semitismo devem ser procuradas entre os próprios judeus, e não entre os seus antagonistas."

Bernard Lazare

anarquista judeu

Antisémitisme, son histoire et ses causes, Paris 1934, Tomo I, pág.32

Samuel Ritter disse...

Não guardo sentimentos anti-semitas, mas o que Gandhi disse é verdade. Os palestinos foram dominados por estrangeiros e tiveram de aceitar "guela abaixo". Isso não justificam os atos terroristas que são cometidos ao redor do mundo, mas justifica muito menos a imagem, de coitados e injustiçados, que alguns religiosos hipócritas tentam passar.

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