05 setembro 2008

O PROBLEMA DA DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA

Por Guillermo Sullings


Em dia 29 de Agosto último, no terceiro Fórum Humanista da Zona Sul, realizado na Universidade de Quilmes, em um dos painéis, o porta-voz do Humanismo na Argentina, Guillermo Sullings, expôs sobre o tema da distribuição da riqueza.

A seguir sua conferência:

Muito já foi dito e ainda se diz sobre o tema da distribuição da riqueza. O certo é que a tendência mundial e, sobretudo na América Latina, é para uma crescente desigualdade em dita distribuição. No entanto, parece que as preocupações ao respeito de pouco serviram para reverter este processo, e muita é a confusão sobre o tema.


Em primeiro lugar, quando se fala deste assunto, muitas vezes não fica claro se estamos falando que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres são cada vez mais pobres (desigualdades absolutas) ou se estamos falando que independentemente da melhor ou pior situação absoluta de ricos e pobres, a brecha entre ambos aumenta (desigualdades relativas). E na verdade, costumamos encontrar os dois casos e suas combinações.

Em segundo lugar, às vezes também não fica claro se é que os mais ricos enriquecem à custa dos mais pobres (transferência de ingressos), ou se são processos independentes que dependem do nível de desenvolvimento de cada setor. E aqui também costumamos encontrar os dois casos e suas combinações.

Em terceiro lugar, nunca fica claro de que forma se pode reverter este processo e são muitas as receitas e poucos os resultados, sobretudo quando não se assume que não é possível resolver com remendos as contradições de um sistema econômico intrinsecamente injusto.


Mas vejamos algumas cifras para ilustrarmos melhor.
Em
1900, o ingresso médio dos países ricos era 4 vezes maior que o dos países pobres; hoje é 30 vezes maior.

Hoje a metade da população mundial vive na pobreza e 20% dela na miséria.

90% da riqueza mundial se concentra em América do norte, Europa, Japão e na Austrália.

Na Argentina, em 1974, o 10% mais rico da população tinha 21% da riqueza, enquanto que o 40% mais pobre tinha 23% da mesma. Hoje os primeiros têm 35% e os segundos 12%.


Para medir a desigualdade na distribuição do ingresso, às vezes se utiliza o índice gini, e às vezes a relação entre decís de ingressos (10 trechos de 10% da população). Tomando este segundo indicador, estabelecendo a proporção que há entre o 10% que mais ganha e o 10% que menos ganha, vemos que na Argentina hoje essa relação é de 35 vezes, no Brasil 58 vezes, no Chile 40 vezes, na Venezuela 21 vezes, nos EUA 16 vezes, na França 9 vezes e no Japão 5 vezes.
No entanto, quando se fala de 10% da população que tem maiores ingressos, podemos chegar a ter uma idéia bastante equivocada, sobretudo na América Latina, de que integram esse 10 %. Poder-se-ia pensar que ali estão somente os mais endinheirados; no entanto, há um par de anos, uma estatística realizada no Brasil, demonstrava que no decil mais alto se incluíam algumas empregadas domésticas de São Pablo (os melhores pagamentos). E na Argentina no decil mais alto há assalariados com ingressos superiores a $ 2.500. Isto significa que a concentração de ingressos na verdade está em uma porcentagem muito menor que o 10% da população, e isto como veremos têm enormes conseqüências na hora de tentar redistribuir o ingresso.

Estamos ante um fenômeno conhecido como "a curva dos anões de Pen", com referência à ilustração que fazia o economista inglês, que mostrava a distribuição do ingresso como uma longa fila de anões que ia desde o primeiro decil até bastante avançado o décimo, onde só no final apareciam os gigantes. Na Argentina, as estatísticas do ingresso familiar per-cápita, mostram que no primeiro decil esse ingresso vai desde $ 0 a $ $ 120, no segundo decil de $ 120 a $ 200, no terceiro decil de $ 200 a $ 260, e assim seguindo até chegar ao nono decil, que vai de $ 900 até $ 1.300. E no decil de mais acima vai desde $ 1.300 até.... ¡$ 42.000! (Sim, por cada membro de uma família). Ou seja, para 90% da população, a diferença entre um decil e outro é de $ 100 aproximadamente, a curva sobe muito levemente até o decil 9, e sobe abruptamente no decil 10. Mas por sua vez, se analisarmos o decil 10 interiormente, veríamos que a maioria dos que superam o ingresso per-cápita de $ 1.300, vão aumentando aos poucos (muitos com 1.400, muitos outros com 1.500, etc.) e só no final a curva se levanta abruptamente.

Estamos fazendo todos estes esclarecimentos para tratar de compreender que o fenômeno da distribuição do ingresso, não somente implica uma grave injustiça, como conclusão óbvia, mas, além disso, o poder econômico concentrado se transforma em uma força, que potência e acelera a aprofundamento da brecha distributiva, esterilizando qualquer tentativa desde o Estado para reverter a situação, se feita dentro das regras do jogo da economia capitalista tal qual a conhecemos.
Porque se, como vimos, nos 10% da população que mais ganha, temos a muitos assalariados que mal cobrem seu orçamento familiar dignamente, sobre qual porcentagem da população então poderíamos exercer a pressão tributária necessária para redistribuir o ingresso? Obviamente que sobre uma porcentagem muito pequena, talvez somente dos 5 ou 6 % da população. E então, A que taxa devesse gravá-los para arrecadar o necessário para cobrir o orçamento público e, além disso, redistribuir a riqueza? Necessariamente isso será com taxas tão elevadas que serão consideradas confiscatórias em qualquer sistema tributário contemporâneo.

O caso das retenções à soja recentemente, nos mostrou um claro exemplo deste fenômeno e das reações que produziu.

Estamos dizendo que a concentração do ingresso, não somente outorga um enorme poder político e midiático a seus beneficiários, que se opõem com força a qualquer tentativa de redistribuição por parte do governo, mas que além da força aparecem as "razões" com as quais estes ganham a solidariedade de boa parte da opinião pública, já que os impostos elevados aparecem como injustos, arbitrários e confiscatórios (independente das supostas "vítimas" de semelhante pressão tributária continuar a ter grandes ganhos, mesmo pagando o imposto).

Sem dúvida que o exemplo da soja, é só um caso, dos vários que há na Argentina, de grandes ganhos em diversos setores produtivos, comerciais e financeiros.

Isto é:
estamos ante um círculo vicioso, já que uma grande concentração da riqueza tende a auto sustentar-se e concentrar-se mais ainda, graças ao poder gerado e à sua capacidade de somar adesões em uma parte da população.

Mas este não é o único fator que alimenta o círculo vicioso da injusta redistribuição do ingresso. Porque os setores com maiores ingressos, ao aumentar seu consumo, pressionam sobre os preços, gerando uma inflação que afeta mais aos que têm menos recursos. Porque se 20% da população tem um poder de compra equivalente aos 80% restante como ocorre na Argentina, está claro que todo aumento de preços que esse 20% convalide na sua febre consumista, não se retrotrairá por um menor consumo do outro 80% cada vez mais marginado, já que os produtores maximizarão ganhos vendendo com maior margem aos mais solventes.

Ou seja, que os setores de maiores ingressos, não somente podem impor as regras do jogo da distribuição ao fixar salários, o que faz com que a participação do ganho empresarial continue a aumentar em desmedro da massa salarial; mas, além disso, indiretamente, através do maior consumo, restringem via inflação o consumo dos mais pobres a uma cesta sumamente básica, no melhor dos casos.
É claro que ainda no caso em que os setores de menos ingressos melhoraram levemente sua situação, a crescente desigualdade relativa com os setores de maiores ingressos gera um nível de violência social difícil de resolver. Portanto, de pouco servem os mornos (e às vezes pouco críveis) indicadores de melhora na situação dos pobres, já que não somente essas mornas melhoras desmoronam ante qualquer aumento nos preços, mas, além disso, mesmo que se mantenham em termos absolutos, a crescente desigualdade com os setores que multiplicaram geometricamente seus ingressos é um caldo de cultivo para a violência, o ressentimento e a frustração social.

É claro também que, direta ou indiretamente, o crescimento de uns poucos não é inócuo à marginação de muitos (uma espécie de "derrame ao contrário"). E é claro que o único crescimento econômico que assegure a eqüidade social, será aquele que implique crescimento com desenvolvimento, e, sobretudo, participação ativa do Estado para que esse desenvolvimento seja com eqüidade distributiva.

A pergunta então é, Que um governo deveria fazer para alcançar isto, partindo da situação atual? Deveria primeiro resolver a urgência da pobreza e a indigência, e ato seguido reverter o plano inclinado do ingresso na economia de mercado.

Na Argentina é suficiente com redistribuir 13,5% do total do consumo de lares, para acabar com a pobreza, e somente 2,4% para terminar com a indigência. Por tanto isso devesse ser a prioridade orçamentária do Estado, destinando todos os recursos que hoje se destinam a planos sociais, mais os que se obtenham de um imposto de renda extraordinária para um subsídio por família. E se deve explicar claramente isto a toda a população, para que não apareçam depois os "defensores das vítimas dos impostos confiscatórios". Para uma emergência, medidas de emergência.


Mas como não é possível estar continuamente com medidas de emergência e impostazos, se devem equilibrar os ingressos setoriais, revertendo o "plano inclinado" do mercado, com desenvolvimento e geração de emprego de qualidade. E isto se faz forçando a redistribuição dos ganhos empresariais para o reinvestimento produtivo. Através de uma reforma tributária, o empresário reinveste uma porcentagem alta dos ganhos em novas fontes de trabalho, ou tributará taxas mais altas para que o Estado se ocupe de efetuar esse investimento produtivo. Mas também se deve reverter a iniqüidade distributiva entre ganho empresarial e salários, através da participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; para que se vá fechando a brecha de modo crescente e sustentável. E finalmente se deve abolir a especulação e a usura, forçando a utilização dos numerosos fundos hoje usados na especulação, para financiar o crescimento com desenvolvimento e valor acrescentado; concretamente, a liquidez monetária das empresas deve ir para Bancos Nacionais sem Juros, e não para o circuito especulativo.
Finalmente, algo haverá que se fazer também com os meios de comunicação; porque não somente estão ao serviço dos interesses do poder econômico através da ideologia que seus "formadores de opinião" inculcam, mas também condicionam o consumo e o consumismo da gente. E um consumo condicionado se direciona para os monopólios, e a gente termina comprando produtos em cujo preço há muito pouco valor de salário, e muito ganho empresarial (dos elos produtivos, comerciais e propagandistas), e isso também contribui para concentrar a riqueza.

Algo haverá que se fazer com os meios de comunicação, para que estes estejam ao serviço de todos e não somente dos que têm o dinheiro para custear seus elevados preços por segundo. Terão que ceder espaço....ou terão que ceder os meios. Mas o tema comunicacional é fundamental; tão fundamental que se transforma na primeira dificuldade ao tratar de comunicar todas estas coisas, todas estas idéias que escutamos aqui. É difícil transmitir estas idéias para as pessoas boca a boca, enquanto o dia todo há um televisor na sua casa que leva você do nariz.
Em resumo, não é possível reverter o problema da distribuição do ingresso de modo sustentável só com impostos, se não se mudam as bases do sistema político e econômico. Democracia Direta e Economia Mista.

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