03 abril 2008

Cerca de três mil pessoas param o Rio para Exigir fim da Violência


Enviado Por Rafael Duarte, Agência Petroleira de Notícias

Nos 40 anos da morte do estudante secundarista Edson Luis pela ditadura militar, milhares de manifestantes, em sua ampla maioria estudantes, voltaram a tomar as ruas. Muitos eram os gritos e bandeiras levantadas. Passe livre estudantil. Educação pública de qualidade. Reforma agrária. Mais verbas para as universidades. Contra o Reuni. Melhores condições de ensino. Saúde pública para todos. Contra a privatização do petróleo e gás brasileiros. Dentre tantas, a palavra de ordem contra a criminalização da pobreza foi a destacada. Na tarde desse 28 de março, num ato como há muito tempo não se via, cerca de três mil pessoas exigiam uníssonos: "Governos parem de matar nossos jovens!"

A passeata, organizada a partir da Plenária dos Movimentos Sociais, começou na Candelária, percorreu a Rio Branco até o Teatro Municipal, entrou na Rua Araújo Porto Alegre, passando pela lateral da Biblioteca Nacional, foi até a Primeiro de Março. De lá, seguiu para o Aeroporto Santos Dumont, de onde retornou até encerrar a caminhada nas escadarias da Assembléia Legislativa (Alerj). Muita tinta e bolas vermelhas coloriram a cidade lembrando o sangue das vítimas da ditadura militar e dos atuais governos.

"Está bonito de ver o ato daqui de cima. Vamos fechar a entrada do Aterro do Flamengo como há muito tempo não se faz para exigir o fim do caveirão e dessa política de opressão sobre o povo pobre e a juventude do nosso estado. A ditadura já acabou só quem parece não saber é o governador Sérgio Cabral." - exaltou do alto do carro de som o estudante de economia Allan Mesentier, coordenador do DCE-UFRJ.

Bancos também viram alvo

A manifestação parou por alguns minutos em frente a uma agência bancária do Unibanco da Rio Branco, empresa conveniada com o Metrô para liberar os cartões que restrigem o acesso estudantil nas linhas. Hoje só recebem o benefício os estudantes que moram e estudam próximo ao metrô e ainda limitados a dois passes por dia. Por isso, diversos manifestantes começaram a jogar tinta guache vermelha nos vidros da agência e a escrever "passe livre" nas paredes.

Além do mais, cerca de 700 estudantes foram impedidos de chegar ao Centro do Rio para a manifestação, pois a polícia organizou uma espécie de "corredor polonês", com mais de 80 homens, na Estação de São Francisco Xavier.

"Foi um belo ato, que conseguiu ir além das mobilizações convencionais. A pauta em prol da educação e contra a violência institucional faz a crítica às mazelas do sistema neoliberal de nossos dias. Se em 68 a opressão estatal retirou a vida do estudante universitário Edson Luís, hoje são centenas de jovens das favelas as vítimas cotidianas das violações de direitos humanos, através de uma política de segurança pública orientada pela criminalização da pobreza." Taiguara Souza, do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos.

Hip hop, esquetes, bolas e muita tinta vermelha dão o tom

A organização do ato surpreendeu pela criatividade e rebeldia, bastante propícios para um movimento que rememorava a luta contra o autoritarismo, repressão e censura do regime militar.

Apresentação de hip hop da concentração até o encerramento. Esquetes com a temática da violência, inclusive a que fechou a atividade representando uma operação do Bope. Distribuição de bolas rubras. Tinta guache espalhada por toda a cidade. Pintura das escadarias de Alerj de vermelho lembrando o mar de sangue do povo que morre todos os dias nas comunidades do Rio com a conivência do poder público. Foras algumas das ações que rechearam a manifestação.

Uma fala durante a passeata do rapper Gaspa, do Coletivo Luta Armada Hip Hop traduziu bem a batalha que a juventude trava hoje: "Se quiser me desarmar vem arrancar meu microfone pois com ele eu sou muito mais poderoso do que com qualquer outra arma. É com a música que desmascaramos a ditadura disfarçada dos governos que seguem nos matando."

Hipocrisia marca inauguração de monumento pelo ministro de Lula

Na manhã de 28 de março, ocorreu a inauguração de uma escultura em homenagem ao estudante Edson Luis, na Praça Ana Amélia, entre a Avenida Churchill e a Rua Santa Luzia, no Rio, com a presença do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, representantes do Governo do Estado e apoio da direção majoritária da UNE.

A atividade promovida pelos governos foi muito criticada pelos movimentos sociais pelo ar de hipocrisia. Ainda destacaram a ausência da direção majoritária da UNE na passeata, principalmente pelo papel protagonista que a entidade teve na luta contra o regime autoritário nas décadas de 60, 70 e 80.

"A participação formal da UNE na atividade com o Governo do Estado vai na contramão do que, até mesmo a direção majoritária defende hoje para a linha política da entidade. Apesar do Lulismo majoritário na UNE, uma proposta de jornada e lutas unitárias, por exemplo, contra o caveirão e, conseqüentemente, contra o Governo do Estado foi aprovada e deveria fazê-los estarem conosco aqui. Certamente a FOE irá cobrar essa atitude da direção majoritária na próxima reunião da entidade." - conta o estudante de história da UFF, Vinicius Almeida, também diretor da UNE pela Frente de Oposição de Esquerda (FOE).

Relembrar a história para avançar nas lutas de hoje

A morte do estudante secundarista Edson Luis Lima Souto, assassinado pela ditadura militar em 28 de março de 1968, ficou como um marco das mobilizações estudantis de 1968. O jovem de 18 anos, que nasceu no Pará e estudava no Rio de Janeiro, foi morto com um tiro no peito, disparado à queima-roupa por um tenente da Polícia Militar.

Naquele dia, os estudantes realizavam uma manifestação contra o aumento dos preços do restaurante Calabouço. A Polícia Militar chegou ao local atirando - desde 1964, a Lei Suplicy proibia mobilizações estudantis. A morte de Edson Luís gerou uma onda de mobilizações e greves que se espalhou por todas as universidades do Rio de Janeiro e, logo, por todo o Brasil. Cerca de 50 mil pessoas acompanharam o enterro do estudante que se tornaria um mártir da luta contra a ditadura militar.

Essa luta contra a repressão naqueles tempos de chumbo persiste ainda hoje contra governantes que implementam uma ação social de criminalização da pobreza e uma política econômica neoliberal, que esvazia o papel do Estado enquanto responsável pleno por educação, saúde, segurança.

Cristina Miranda, representante da regional Rio da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes-SN), reconhece a importância de relembrar a história de luta do povo brasileiro, avalia que o ato de 28 de março pode impulsionar o movimento de resistência no estado do Rio e ainda aponta o método de construção da atividade como o grande destaque.

- A idéia do ato partiu do movimento estudantil e se estendeu para as organizações populares e sindicais, por meio da Plenária dos Movimentos Sociais. Esse processo de construção coletivo e de unidade foi a grande lição que devemos tirar dessa manifestação que conseguiu colocar tanta gente na rua. Precisamos aprender com isso! - enfatiza Cristina, que também é diretora da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj) - Embora o eixo tenha sido a criminalização da pobreza, pela massa de estudantes presente, o tema da educação ganhou muito destaque. É muito bom para nós incorporar as demandas de educação popular dos movimentos sociais e ao mesmo tempo apresentar as lutas de dentro da universidade. É uma troca muito rica.

Os próximos passos

A professora da Escola de Serviço Social da UFRJ ainda lembra que há outra questão pouco desenvolvida no ato mais que se reveste da maior importância, que é a comemoração esse ano dos 90 anos das reformas de Córdoba, na Argentina, quando os estudantes lutaram para exigir o autogoverno das universidades e trouxeram para o debate novas concepções de organização da educação superior, como a própria paridade nos conselhos comunitários das instituições.

Cristina conclui apontando os próximos desafios do movimento: "Precisamos avançar na presença constante da juventude na Plenária dos Movimentos Sociais e partir para a construção de uma grande mobilização unificada no 1º de maio, dia do Trabalhador."

A próxima reunião da Plenária dos Movimentos Sociais acontece no dia 2 de abril, quarta-feira, às 18h, na sede do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe), que fica na Rua Evaristo da Veiga, 55, 8º andar, Centro do Rio.

Importante: Fotografias do ato disponibilizadas em www.apn.org.br

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